Daniela Gogoni
Pra que serve um cenógrafo?
Se tudo o que um espetáculo precisa para existir é de uma ação e um espectador. Se tem ação, geralmente tem um ator. Se tem ator, precisa de um figurino, mas não de um cenário…
O texto só pede uma cadeira, uma mesa, a xícara de café e um jornal velho.
Pra quem é de teatro, caixote é mesa. A xícara, pega aquela azul na cozinha…
E o jornal?
– O jornal, porra!!! Corre lá na banca que eu esqueci…
– Mas tinha que ser velho!
– Molha no café da xícara!
– Não velho 1800, mas tá com a cara do Bolsonaro na frente, a manifestação de ontem… Tinha que ser algo mais abstrato, sabe? Que a gente não sabe de onde ou quando é…
– Tanto faz… Vai implicar agora porque não chamei o cenógrafo?
– Podia ter chamado aquela menina… Cenógrafo eu até entendo, fica caro…
– Aquela menina também ia cobrar, diz que estudou cenografia… Nunca vi, estudar e achar que sabe a profissão, nunca contrapesou uma vara, é assistente há dez anos e vem dizer que é cenógrafa…
– É… pode ser… Mas você acha que o prefeito ia ter um caixote como mesa?
– Foi o que deu pra arrumar, já viu o valor do edital? Como é que eu pago a conta de luz do galpão, nosso almoço e o câmera pra gravar o espetáculo? Se pelo menos tivesse a grana da bilheteria…
– Tá bom… mas quando melhorar, me promete que a gente contrata o cenógrafo?

Imagem em diálogo: colagem digital de Henderson Oliveira

Daniela Gogoni é cenógrafa e supervisora técnica. Suas principais experiências foram em teatro e ópera, mas já trabalhou para concertos, dança, vídeos, animações, instalações e espetáculos infantis. Em mais de 15 anos de profissão, já foi aderecista, pintora de arte, fez montagens, foi indicadora de sala, entre outras funções dentro e fora das artes. É branca, cresceu em São João Clímaco, São Paulo. Já foi e voltou para o exterior algumas vezes em busca de estudos e oportunidades..
vol. 2, no. 2 – 2021