Sueka

Pareço com meu avô, é o que todos dizem
Assumo e não nego, trago tudo no sangue
Mas possuo meu próprio cerne, digo,
Ele era o que dizem “mais claro”, hétero e traficante
Já eu sou trans, negrx e vivente
A história me pesa, tonelada que levo nas costas
Toda carga de ambos destinos
Um por fora do estabelecido e
Outro quebrante da ordem
“Vocês são tão parecidos!”
Avô e netx, a mesma barba rala
O mesmo olhar castanho
Não sei dos toques
Mas presumo que seriam quentes,
Pois somos descendentes das matas
E nos alimentamos do fogo
Subo e desço por todo este morro
Percorro por cada beco desta favela
O movimento tá forte, o tráfico palmeado
Aqui não tem papo torto
Se liga no plantão crioulo
Os canas não podem subir na missão
O mal quando legitimado se torna justificável
Por isso tantos alvos negros
Para que toda uma sociedade que tem medo
Do preto
Possa dormir a “salvo”, no claro
Mas na mão de todos há sangue
Que continua a escorrer
E eles só tem medo
Porque não sabem de toda luz
Que vem dos filhos da noite
Maior arte: a vida
Eles entendem, pois a mantém
Numa habilidade incrível
Em uma sociedade que legitima
Um grande genocídio
E quem são os alvos preferidos?
Meu avô terminou na vala
Meu tio na cadeia e
Assim prosseguimos
Dizem que sou parecido com ele
Meu tio, porém “melhorzinho”
Pois nunca fui parar numa cadeia
Ou segurando um cano na mão
Maior peça: a vida
Nesse roteiro seguem
Chacinas e mais chacinas
Nas favelas
Mas, talvez pareça sim com meu tio
Em sua malandragem e boemia
Entre cadeias e liberdades
Ele a mantém: viva
Dizem que não sou parecido
Com meu irmão,
Já que ele lembra meu pai
“MAIS NEGRO”
E que por coincidência ou não
Também esteve na prisão
Segundo alguns, estou distante disso
Pergunto: O quanto isso é seguro?
Ainda acordo com tiros
Rasante de helicóptero
Bombas no ar
Me escondo dentro da minha casa
Que esta preste a ser “revistada”
Vai querer mandato?
Vai tomar mais um esculacho!
Hoje meu tio
Também não está mais aqui
Porém, seguimos
Cada qual com seus demônios
Interligados por um fio
Sou mais próximo do meu irmão
Do que meu pai foi comigo
E não ligo se pareço
Com meu avô ou tio
Sei o quanto carrego de tudo isso
E apesar das aparências
Sendo um mais claro
E outro mais escuro
Meu irmão e eu
Nos mantemos vivos.
Obra em diálogo: fotografia de Moisés Victório

SUEKA Meu nome é Yan, tendo adotado por codinome SUEKA, tenho 26 anos, pessoa negra, trans não-binária. Criadx no morro do Fallet/Fogueteiro, na zona norte do Rio de Janeiro, aprendi desde cedo a conviver com os contrastes da cidade e as desigualdades sociais existentes neste território, porém através da história e da busca pela arte, especificamente a escrita, consegui encontrar um lugar de cura e de ressignificação da minha existência e das demais experiências que presenciei ao longo da minha trajetória. Recentemente lancei um romance, pela MARGEM EDIÇÕES, intitulado OUTUBROS.
vol. 2, no. 2 – 2021